A Ritinha e a Rita da Eusébia!

A Ritinha era uma miúda de génio, não era fácil de assoar!

A Sr.ª Sofia, em casa de quem a Ritinha morava com a sua mãe, era tratada apenas por Sofia e quando lhe chamavam a atenção para o respeito que era devido aos mais velhos, ela respondia que a velhota também lhe chamava Rita e mais nada e, portanto, não merecia um tratamento diferente daquele que lhe era dispensado. Respeite para ser respeitado, deveria ser o que lhe passava pela jovem cabecinha de uma criança com a idade de +/- 4 anos.


Filha de mãe solteira, nasceu na freguesia de S. Cristóvão de Rio Mau, concelho de Vila do Conde, onde a sua mãe trabalhava como criada de servir, desde os 20 anos, depois de um primeiro trabalho do mesmo género na freguesia de Paradela que foi o primeiro após abandonar a casa dos seus pais, na freguesia de Barqueiros do concelho de Barcelos, por volta dos 16 anos.


O pai da Ritinha era um de três irmãos, filhos de João José de Sousa, que da freguesia de Rio Covo, Santa Eulália, que vieram para a Póvoa em busca de melhor vida. António, Manuel e Geremias eram os seus nomes, os dois primeiros trabalharam sempre ligados á agricultura, enquanto que o Geremias optou pela vida de marçano, passando a vida a entregar mercearia pelas ruas da Póvoa. António, o mais velho dos três, viria a conhecer a mãe da Ritinha nas suas andanças por casa dos lavradores em busca de trabalho.


Corria o mês de Junho do ano da graça de mil novecentos e dezasseis e, tanto quanto me é dado saber, ela nasceu e lá morou, nos primeiros quatro anos da sua vida, na última casa de Rio Mau, à margem da EN 206, do lado esquerdo para quem vai a caminho de Rates e Balazar. Razões de ordem familiar fizeram com que a sua mãe, a minha saudosa avó Maria, fosse viver para Macieira. Segundo rezam as crónicas que chegaram aos meus ouvidos, a Ritinha foi levada dentro de uma giga (grande cesto de verga que servia para transportar erva) que a mãe levava à cabeça, pois não tinha ainda pernas para uma tal caminhada.


Para ter onde morar, a avó Maria aceitou cuidar de uma velhota que se chamava Maria Luísa e morava no lugar de Talho, mais precisamente numa pequena dependência da Casa do Torres, uma espécie de anexo, em termos modernos. Encostada à Casa do Torres, havia uma outra de maiores proporções e melhor qualidade, a casa dos Ferreiras, professores de profissão e com oficiais do Exército na família. Do contacto com esta gente a Ritinha aprendeu muito nos 12 anos que ali passou.


Por volta dos seus onze anos, o seu pai, António de Sousa, mostrou interesse em conhecê-la e alguém se encarregou de a trazer até à Póvoa para os apresentar. Ouvi contar algumas histórias sobre a família que não estaria de acordo com o seu relacionamento, mas sabendo qual o seu percurso de vida, a trabalhar como criado de lavoura, e com a família a morar em Rio Covo, perto de Barcelos, isso é muito pouco provável. Outras razões haveria com certeza, mas isso nunca viremos a saber, uma vez que os interessados já entregaram as suas almas ao Criador.


Com a morte da Srª Maria Luísa foi necessário arranjar outro poiso, onde morar, e surgiu a possibilidade de cuidar de outra velhota, a Srª Rosa de Cumiães, que morava na última casa, do lado esquerdo, da subida de Travassos que, salvo erro, já pertence ao lugar do Formigal. Na parte norte dessa casa, havia uma pequena casinha, pertença da Srª Rosa, mesmo em frente da casa do Tio Miguel do Matos que poucos anos depois viria a ser o padrinho de baptismo da minha irmã mais velha.


Foi nessa pequena casinha que ficaram a morar a Rita e a sua mãe, a quem se veio juntar a avó Eusébia que morava, de favor, em casa de familiares, no lugar do Outeiro, desde que enviuvara. Estávamos no ano da graça de 1932 e a avó Eusébia, já com 80 anos de idade, sofria da doença de Alzheimer numa fase relativamente avançada. A Rita tinha feito a Escola Primária com a ajuda dos professores da Casa Ferreira, andava a aprender costura e ajudava a mãe nas lides da casa e a tratar da avó, enquanto a sua mãe se dedicava a tratar da Srª Rosa.


Os 7 anos seguintes, até 1939, data em que a avó faleceu e a Ritinha se transformou numa mulher casada, a vida decorreu sem grandes sobressaltos. Quando por ali apareceu o pretendente que a haveria de levar ao altar, a Srª Rosa avisou logo – “nesta casa não entram chapéus”, uma maneira engraçada de se referir ao sexo masculino – e assim o namoro teve que fazer-se fora de portas, no Largo do Formigal. A morte da senhora viria precipitar a mudança de vida que aconteceu na vida da Rita, a partir desse dia. Agendou.se o casamento, à pressa, e o noivo foi à procura de uma casa, onde pudesse abrigar as três mulheres que passaram a ser a sua família, daí em diante, levou três pelo preço de uma! No mesmo ano de 1939, faleceu também a avó Eusébia, não sei se antes ou depois da Srª Rosa, nem isso tem qualquer interesse para a presente história.


Tendo sido criado em casa do Loureiro de Gueral e sabendo que este lavrador tinha uma velha casa desabitada, no lugar do Outeiro, foi ao encontro do filho do seu antigo patrão que agora governava a grande casa de lavoura para lhe pedir que lha alugasse. Foi-lhe dito que a casa estava em muito más condições, com parte do telhado caído, mas ele não desanimou e respondeu que se encarregaria de fazer os arranjos necessários.


E assim aconteceu, casamento resolvido lá foram morar para a casa que me viu nascer, a mim e mais dez irmãos que foram nascendo, um após o outro, entre 1940 e 1960. A Rita, agora uma senhora casada, vivia dos trabalhos de costura, enquanto o marido saltitava de lavrador em lavrador aceitando todos os trabalhos que apareciam. E os anos sucediam-se, enquanto a família ia crescendo, com a Rita na costura e a sua mãe nas lides da casa.


Com a necessidade de aumentar os rendimentos veio a oportunidade de abrir um atelier de costura, onde não faltavam as aprendizes, e começar a fazer as feiras de Barcelos para vender os produtos que costurava, além de trapos e farrapos, assim como variados artigos de retrosaria. Tempos difíceis em que não havia qualquer transporte para a sede do concelho e era preciso carregar as mercadorias, em grandes trouxas, à cabeça.


No já longínquo ano de 1960, ela e a sua família abandonaram Macieira e rumaram a Argivai, freguesia do concelho da Póvoa, onde morou durante alguns meses apenas e, em Maio do ano seguinte, mudar-se-ia para Touguinha, onde morou até morrer e lá foi enterrada. No ano de 1962 aí lhe nasceria ainda mais um filho para completar a dúzia, filho esse que partiu deste mundo ainda antes dela. Quem a quiser visitar, ou rezar-lhe pela alma, pode encontra-la, juntamente com a sua mãe Maria, logo à entrada do cemitério, do lado direito.


A esta distância no tempo, tudo isso parece um romance mal contado, mas foi a vida real da Rita da Eusébia que assim ficou conhecida, em Macieira, por ser neta da Eusébia Alves de Sousa, da casa do Jerónimo, do lugar do Outeiro, enquanto que a sua mãe, Maria, não nascera na freguesia e, por conseguinte, não contava para a História.


N.B. - Esta publicação foi feita em 22-04-2022 no antigo blog do Sapo e nesta nova versão aproveito para corrigir o nome de Zacarias para Geremias que era o nome correcto do meu tio-avô.

Comentários

Copiado do Blog Maneldarita

Mensagens populares deste blogue

Manuel Alves da Silva