Os nossos pais

OS NOSSOS PAIS

( escrito por Manuel Silva)

Hoje ao olhar para esta foto, lembrei-me de traçar o percurso de vida dos meus velhotes, ambos já falecidos, há alguns anos.

Em 1912, nasceu ele, na freguesia de Gueral, e em 1916, nasceu ela, na freguesia de Rio Mau. Nem ele nem ela tiveram um pai presente nas suas vidas, o dele morreu, ainda ele não tinha feito dez anos, o dela, pior ainda, era incógnito. Ambos foram acompanhados pelas suas mães até à idade adulta.

A escola primária dele só duraria um ano, em vez de passar para a 2ª Classe foi estagiar para «Moço do Gado» para a Casa do Loureiro. A dela correu melhor um pouco, saiu de Rio Mau para entrar na escola de Macieira, em 1923, e, como era próprio da época, ficou lá até ao exame da 3ª Classe. Não o posso garantir, mas apostaria que a sua professora foi a D. Clementina Ferreira que, alguns anos mais tarde, deu o mesmo curso, ou parecido, às suas 4 filhas mais velhas.

De patrão em patrão ele foi parar a Macieira, onde serviu como «Criado de Lavoura», em casa do meu padrinho, o Tio Manel do Couto, até ir para a tropa. Eu ainda não era gente, nessa altura, e não o posso garantir como certo, mas acho que foi do quintal da «Casa do Couto» que ele avistou a moçoila que elegeu para se casar. Depois foi para a tropa, na Póvoa de Varzim, e voltou depois para continuar a sua vida trabalhando para os lavradores de Macieira, Gueral e Chorente.

Ela foi crescendo, em casa da Tia Luísa, no lugar de Talho, de manhã na escola e de tarde ajudando a sua mãe nas lides da casa e no apoio à idosa que lhes dera abrigo, desde que vieram de Rio Mau para Macieira. Muito embora a minha avó tenha nascido na Lagoa Negra e a minha mãe, em Rio Mau, elas eram descendentes da grande família do Jerónimo e foi, por conseguinte, a decisão da avó Maria de regressar à terra dos seus antepassados e lá encontrar um futuro para a sua filha.

Com a morte da Tia Luisa foi preciso abandonar a Casa do Torres, onde as 3 mulheres tinham vivido, mais ou menos "de favor". Por sorte ou por habilidade da minha avó encontraram outra Luísa, também velhota e a precisar de cuidados, moradora no ponto mais alto do chamado «Tope de Travassos» - chamado assim por ser a subida mais íngreme da estrada que atravessa a nossa freguesia - que as pôs a morar numa pequena casa, pertença das «Velhas do Rio do Souto», virada para o Largo do Formigal e costas com costas com a sua casa. Sem certeza de nada, parece-me que essa idosa, de quem passaram a cuidar, era conhecida por Luísa de Quentiães. Se este escrito chegar às mãos da minha irmã mais velha, ela se encarregará de confirmar ou desmentir esta minha informação.

Nos entretantos, a mãe da minha avó que tinha ficado viúva, no início do século, ainda ela não tinha feito 50 anos, começou a "variar das ideias" (doença de Alzheimer, ainda pouco conhecida) e o seu filho Carlos, com quem vivia, recambiou-a para casa da filha que sempre seria a pessoa mais indicada para lhe dar o apoio necessário naquela situação. E assim se juntaram as 3 mulheres, mãe, filha e neta, naquela casita do Formigal que tinha em frente a oficina de carpintaria do Tio Miguel do Matos que viria a ser o padrinho de baptismo da minha irmã mais velha.

Nos segundos dez anos de vida, a minha mãe tinha aprendido a costurar e tinha já a sua freguesia que lhe dava a ganhar alguns tostões para ajudar na despesa da casa. Os anos foram passando e chegou o dia em que o namoro com o meu pai entrou na rotina das suas vidas. À moda antiga, namorava-se à porta de casa e nem outra cosa seria possível, pois a velha senhoria já tinha avisado a minha avó: - Maria, na minha casa não entram chapéus! Queria ela com isto dizer que era vedada a entrada a homens.

E os anos foram decorrendo lentamente, uma eterna pasmaceira, em que nada acontecia que alegrasse a vida de um pobre. Aí o meu velhote começou a falar de casamento e a coisa tornou-se mais séria. Mas casar e assumir a responsabilidade por 3 mulheres, uma delas idosa e doente, não seria pera doce e assim combinaram que só casariam depois de a velha Eusébia do Jerónimo ir acertar as contas com S. Pedro. Esse facto viria a acontecer, no dia 18 de Agosto do ano de 1938, como é possível confirmar pelo documento abaixo.

 

E assim chegamos ao ano de 1939, com a II Grande Guerra a começar em princípios de Setembro e os meus velhotes, já constituídos como casal pelo matrimónio que foi celebrado no mês de Julho, instalados na velha casa do Outeiro, pertença do Sr. José Loureiro, primeiro patrão que o meu pai conheceu na sua vida atribulada. Por notícias que chegaram ao meu conhecimento, ainda há poucos dias, até aí, essa casa tinha sido habitada pelo Sr. António Alves de Sousa, primo direito da avó Eusébia, o que me leva a crer que essa casa, antes de ser do Loureiro, pertencia à família do Jerónimo. Nessa casa nasceram, senão todos, os filhos mais velhos desse António que, em breve, emigraria para o Brasil de onde nunca mais voltou.

E chegado a este ponto da história, vou dar um salto de 50 anos e colocar-me na freguesia de Chorente, no ano de 1989, onde a foto que encima esta publicação foi tirada. A festa ali acontecida era a celebração das Bodas de Ouro dos meus pais que, entretanto já tinham criado 12 filhos e esses lhes deram um sem número de netos que tornou a nossa família uma das maiores com origem no lugar do Outeiro, da freguesia de Macieira.

Para concluir esta narrativa familiar, quer acrescentar ainda uma informação para ficar na memória dos descendentes mais novos que nunca conheceram Macieira, nem esse lugar tem para eles qualquer significado. A mãe da minha mãe está sepultada no cemitério de Touguinha, desde 1970, e a sua avó Eusébia, no cemitério de Macieira, desde 1938, como demonstrado acima.


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